Importância do atendimento ginecológico para pacientes portadores de deficiência física


Todos nós sabemos como é difícil para as mulheres conseguirem usufruir de bons serviços de saúde, com fácil acesso e atendimento especializado. Para a paciente cadeirante ou portadora de alguma deficiência física isso é ainda mais complicado. 

Para falar um pouco mais sobre o assunto, conversamos com a Dra. Augusta Morgado (CRM-SP: 144475), especialista em ginecologia e membro da equipe do Increasing, que explicou detalhadamente uma série de aspectos importantes. Confira o bate-papo:

- Considerando a realidade brasileira, como a senhora avalia a questão do acesso aos serviços de saúde para pessoas portadoras de deficiência?
Apesar da crescente conscientização sobre a necessidade de inclusão dos pacientes portadores de deficiência física, e da obrigatoriedade da adequação de serviços de saúde a normas adaptativas de acessibilidade para todos os indivíduos, ainda encontramos muitas dificuldades relacionadas a essa questão. Exceto por serviços destinados ao atendimento de pessoas que precisem de alguma adaptação ao acesso, como centros de reabilitação, setores ortopédicos, de fisiatria ou fisioterapia.
Dificilmente há algo planejado para estes pacientes em outras áreas, sendo assim necessita-se de improvisos para sanar dificuldades que poderiam ser prevenidas se esses indivíduos fossem incluídos no planejamento da rede de cuidados. Seja em serviços públicos ou particulares, deve-se pensar no acesso de indivíduos com deficiência como regra, nunca como exceção.

- Qual é o maior desafio para o profissional que atende esses pacientes?
O principal desafio é sempre a falta de conhecimento. Há a falta de prática em lidar com as necessidades de cada tipo de deficiência, como as transferências, suporte para coleta e realização de exames, posicionamento para testes físicos, e o conhecimento das habilidades de cada indivíduo para saber o que e quanto tempo será necessário para seu atendimento adequado. Também existe a falta de conhecimento das particularidades fisiológicas do que causa a deficiência. Um médico, de qualquer
especialidade, que esteja habituado às condições que causam a deficiência, pode oferecer um cuidado mais completo, eficiente e seguro ao paciente, que, por sua vez, também passa a se sentir mais acolhido e confiante em relação às condutas propostas, o que aumenta a adesão e a efetividade dos tratamentos.

- Em quais aspectos o atendimento ginecológico de uma pessoa portadora de deficiência física difere de um procedimento usual?
O atendimento ginecológico de uma mulher com deficiência deve se embasar no fato de que, antes de qualquer patologia que cause uma deficiência – seja ela uma lesão medular, causas congênitas, degenerações neuromusculares – trata-se de uma mulher, que deve ser tratada como tal. Nunca a deficiência deve estar acima do indivíduo e isso deve prevalecer na abordagem ginecológica, que deve ser sempre completa, abordando todos os aspectos relacionados à especialidade de forma
individualizada às condições de cada paciente.
O atendimento ginecológico de qualidade deve sempre avaliar as queixas atuais; antecedentes sobre desenvolvimento de características sexuais; ciclo menstrual e suas características de frequência, regularidade e sintomas; gestação e partos prévios; desejo gestacional e de contracepção; sexualidade; antecedentes pessoais e familiares.
A abordagem de todos esses assuntos deve ser feita de forma natural, despojada de qualquer julgamento relacionado a deficiência, visto que frequentemente essas mulheres não são consultadas em relação a sua sexualidade e seu desejo reprodutivo.
Exame físico cuidadoso das mamas, abdome e o exame ginecológico são necessários e obrigatórios, considerando todas as condições e o tempo que isso demanda para ser realizado. É fundamental ambientes privativos e bem adaptados que permitam o deslocamento e a transferência, macas que permitam o posicionamento adequado, auxilio para transferência e posicionamento quando necessários, conhecimento sobre limitação de mobilidade e alternativas a isso para a realização de um bom exame.
Pacientes com deficiências, como quaisquer outras, devem ser submetidas a exames de rotina e rastreamento para câncer de colo de útero e mamas com regularidade. A medicina com o enfoque de prevenção e rastreamento precoce de doenças deve ser sempre a prioridade. Além disso, a manutenção de uma boa saúde ginecológica deve ser feita de acordo com as particularidades de cada deficiência, visando uma boa qualidade de vida destas mulheres.

- É comum a procura por esse tipo de atendimento adaptado?  Tem notado um aumento ou uma redução na demanda com o passar dos anos?
Felizmente, com a popularização de campanhas em prol da prevenção de câncer de colo mama e colo de útero, as mulheres tem se tornado cada vez mais conscientes em relação à possibilidade de tomar medidas preventivas. O empoderamento feminino ocorrido nos últimos anos também tem sido fundamental para que elas procurem seus ginecologistas e abordem questões como sexualidade e contracepção, antes muito negligenciadas. Isso se estende amplamente para as pacientes com deficiência, que incluídas nesse processo, passam a procurar mais ativamente o ginecologista e um
serviço que a atenda de forma individualizada e que corresponda a suas expectativas.

- Há algum tipo de cuidado especial em casos de gravidez?
A mulher com deficiência deve ter sempre liberdade de optar pela possibilidade de ter filhos. Muitas nem sabem que isso é possível e outra grande parte engravida por falta de instruções quanto a contracepção. Ter o desejo de engravidar, se preparar para esta fase da vida e saber os riscos que podem estar envolvidos na gestação e no parto são condições básicas que devem ser respeitadas. A gestação em mulheres com deficiência de movimento, como lesões medulares, por exemplo, pode ser bastante desafiadora. Algumas condições já experimentadas pela paciente podem se intensificar durante a gravidez, como as infecções urinárias e a espasticidade. Com o aumento de peso e do tamanho da barriga, podem ser necessárias adaptações de cadeira de rodas e formas de transferência, adaptações para funções diárias como banho e cateterismo vesical. O risco de formação de úlceras de pressão pode aumentar por uma possível redução de mobilidade e o risco de tromboses também
pode estar relacionados a isso, bem como as alterações hormonais do processo gestacional.
O seguimento do pré-natal deve ser feito em intervalos regulares, podendo exigir uma frequência bem intensa, de acordo com os fatores de risco de cada mulher. Deve estar presentes nas consultas avaliação global da pele para identificação de úlceras, avaliação de dilatação do colo uterino, monitorização de contrações e instrução sobre a percepção das mesmas e de sinais de trabalho de parto. Exames laboratoriais frequentes de urina, urocultura e função renal também farão parte desta nova rotina.
O planejamento do parto também deve ser cuidadoso. Hospitais especializados, que tenham salas de parto adaptadas e de fácil acesso devem ser considerados e estar inclusos no plano. A princípio, não há uma indicação de via de parto específica para essas mulheres. O parto pode ser normal, a não ser que haja alguma causa materna ou fetal para a indicação de um parto cesáreo.
6 Quais outros casos específicos de um paciente com alguma deficiência pode exigir atenção redobrada?
A contracepção é sempre uma questão que requer um cuidado específico em mulheres com deficiências. A limitação de movimento é, por si só uma condição que pode aumentar os riscos de fenômenos tromboembólicos, que, por sua vez, também são influenciados pela questão hormonal e principalmente pelo uso de medicações que contenham alguns hormônios (como o estrogênio), como algumas pílulas, injeções e outros métodos contraceptivos. Isso não impede que estas mulheres possam optar por métodos seguros para não engravidar. Métodos não hormonais, métodos de
barreira (como preservativos masculino e feminino), dispositivos intrauterinos e métodos a base de progesterona são opções que podem ser consideradas, levando em conta o quadro individual de cada paciente.

- Quais são as perguntas que uma mulher não deve deixar de fazer em uma consulta
ginecológica?
A consulta ginecológica deve ser um ambiente em que a mulher, com ou sem deficiência, sinta-se livre para relatar suas queixas e dúvidas sobre qualquer questão relacionada a sua saúde ou qualidade de vida. Deve-se reforçar que questões como sexualidade e contracepção nunca devem ser negligenciadas ou ser uma fonte de angustias para estas mulheres e que a consulta com o ginecologista é o momento para que se esclareça esses aspectos.

- Qual é a frequência ideal que uma mulher deve buscar atendimento ginecológico?
A princípio, o acompanhamento ginecológico deve ser no mínimo anual para que sejam feitos exames de rastreamento como coleta de citologia cervicovaginal (exame de Papanicolau ou preventivo) e mamografia com uma frequência adequada e para que seja realizada uma boa avaliação física. Neste momento aproveita-se para reforçar orientações quanto a contracepção, sexualidade e investigação de outras queixas. O aumento da frequência das consultas dependerá das comorbidades e de condições particulares de cada paciente ou de queixas específicas que podem ocorrer esporadicamente.

- O que o Increasing pode oferecer para essas mulheres portadoras de deficiência física?
Na Increaisng a mulher com deficiência pode contar com uma clínica adaptada para as suas necessidades físicas, capaz de atendê-la de forma confortavelmente adequada.
Além do ambiente acessível, há uma equipe de multidisciplinar que conta com o auxílio de fisiatras e fisioterapeutas, especialistas nas áreas neuromuscular e pélvica, e ginecologistas com prática no atendimento e acompanhamento de mulheres portadoras de deficiência que demandam acompanhamento ginecológico e obstétrico que respeite a particularidade de sua condição física.

- Sob seu ponto de vista, o que falta para a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência física ser vista como uma questão primordial?
A questão primordial para que a acessibilidade seja universal e eficiente é considerar que o portador de deficiência física pode estar e estará cada vez mais presente em todos os ambientes, e que, logo, todo o ambiente precisa permitir sua presença. A readaptação e a reinclusão de uma pessoa com deficiência a sua rotina e a uma vida social, participando de ambientes de trabalho, de lazer, e de serviços públicos e de saúde deve ser a tendência das mudanças físicas e das políticas de suporte a esses indivíduos, que deve ter seus direitos e sua qualidade de vida assegurados por uma
acessibilidade adequada.